Não tenho culpa que a política seja como ela é: Por Wellington Nunes*

Wellington Nunes

Há sessenta anos, ao publicar o livro “Uma teoria econômica da democracia”, o economista norte-americano Anthony Downs chamava a atenção para um aspecto fundamental da política: políticos formulam políticas públicas para alcançar o poder, e não o contrário. Em outros termos, o primeiro objetivo de quem se envereda pelos caminhos sedutores da política é ser eleito. O segundo, por consequência, com vistas a manter-se no poder, é ser reeleito.

Embora se afaste tanto das imagens construídas pelos próprios candidatos quanto das aspirações mais idealistas e bem intencionadas dos eleitores, essa perspectiva pode ser bastante útil à análise de conjunturas políticas diversas. Pegue-se, a título de exemplo, o cenário político nacional após as eleições presidenciais de 2014.

Após ser reeleita, por mais de 54 milhões de eleitores, com a promessa de seguir pelo caminho do crescimento econômico e da distribuição de renda, Dilma Rousseff acreditou (de forma ingênua) que poderia se apossar impunemente do projeto de governo recém derrotado nas urnas.  A ideia de realizar um ajuste fiscal rápido, para que a economia nacional voltasse a crescer, trazia consigo ou um desconhecimento grave ou uma relutância voluntária em aceitar a natureza fundamental do jogo político: a disputa pelo poder.

Assim, a guinada brusca na direção da política econômica, logo após o pleito de 2014, iniciou um processo de erosão das bases sociais de sustentação do governo. Por sua vez, a coalizão política de oposição, recém derrotada em uma disputa onde a polarização política beirou o paroxismo, tratou de iniciar o processo de corrosão de suas bases parlamentares. Esse processo de duplo desgaste dos pilares de sustentação do governo teve como agravante a deterioração da economia, cuja intensidade aumentava na mesma proporção da paralisia decisória que envolvia a presidência da república.

Esse enredo, sintetizado de maneira quase telegráfica acima, acabou por criar as condições para que as diversas forças políticas reunidas na oposição ao governo não precisassem esperar as eleições de 2018 para tentarem chegar ao poder: ao apearem Dilma da presidência, diversos representantes dos partidos de oposição passaram de opositores a integrantes do novo governo.

Pois bem, e a recuperação da economia?

A narrativa principal construída pelos grupos políticos que estiveram na oposição, e que estão hoje no governo – durante o processo de construção das condições políticas para o impeachment – foi de que a atual crise econômica seria consequência direta da gastança irresponsável e da corrupção generalizada, ambas promovidas (exclusivamente) pelo governo a ser destituído. Como consequência, bastaria “limpar” o Estado desses agentes pródigos e corruptos, para que a economia voltasse aos trilhos.

Esse discurso ingênuo foi incorporado por grande parte da imprensa nacional e, a partir daí, disseminado por boa parte do eleitorado brasileiro. Esse otimismo irresponsável ajuda a explicar, em boa medida, a imensa perplexidade que se abateu sobre ambos, ao perceberem que a suposta profilaxia do Estado não havia eliminado a corrupção, tampouco ajudado a recuperar a economia.

Há dois tipos de explicação para o processo de disseminação desse tipo de crença ingênua. O primeiro deles está relacionado à ignorância, ou seja, ao desconhecimento total ou parcial da natureza das relações políticas. Já o segundo, muito mais grave, não conta com o atenuante da desinformação: implica em estar ciente da falta de verossimilhança da narrativa mencionada acima e, ainda assim, incorporá-la e difundi-la.

O atenuante da ignorância talvez possa absolver parte significativa do eleitorado, mesmo entre aqueles que foram às ruas absolutamente convencidos[1] de que a troca de governo (justificável ou não) seria o antídoto que, a um só tempo, eliminaria a gastança e a corrupção e reverteria a crise econômica.

No caso de grande parte dos meios comunicação do país, no entanto, o atenuante torna-se um agravante. Isso porque o desconhecimento do tema não é um argumento válido para quem tem a responsabilidade de informar. Consequentemente, há duas formas de se interpretar a participação da imprensa nesse enredo inverossímil.

A primeira delas é que aqueles órgãos de imprensa que, porventura, compraram cegamente o argumento criado pelos grupos políticos que se encontravam na oposição – à espera de uma oportunidade para participar diretamente do governo – passaram atestado de incompetência: uma vez que mostraram total desconhecimento da natureza das relações políticas, assunto que se propuseram a cobrir jornalisticamente. Por seu turno, aqueles que sabiam o que estavam fazendo (i. e., conheciam o artificialismo do enredo que estava sendo encenado) prestaram um desserviço premeditado ao jornalismo, agindo com má fé, seja ela gratuita ou a serviço de seus próprios interesses.

Em retrospecto, a questão que se impõe ao analista é a seguinte: quem ganhou e quem perdeu com a incorporação acrítica da narrativa referida acima?

Como se sabe, embora os grupos políticos alocados na situação e na oposição tenham invertido seus papéis, agentes do governo continuaram sendo envolvidos em escândalos de corrupção. Além disso, ainda que a inflação venha arrefecendo (trajetória iniciada ainda durante o governo Rousseff), os indicadores de atividade econômica seguem se deteriorando – mostrando, mais uma vez, que o ajuste fiscal do Estado, por si só, não gera, de forma automática, crescimento, emprego, renda, melhora na qualidade dos serviços públicos, etc.

A partir daí, é possível argumentar que os principais beneficiados dessa conjuntura pós-eleições de 2014 parecem ter sido justamente os autores dessa narrativa – ou seja, aqueles grupos políticos que saíram derrotados naquele pleito eleitoral, e que não estavam dispostos a esperar até 2018, para uma nova tentativa de alcançar o poder.

 

  1. S.: “Mas, por favor, não saque a arma no ‘saloon’, eu sou apenas” o escritor (Parafraseando o Belchior).      

[1] “As convicções são piores inimigos da verdade do que as mentiras” (Nietsche)

*Wellington Nunes é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutorando
em Sociologia pela mesma instituição, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política
Brasileira e editor da Newsletter do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil.

Sobre Francisco Carlos Somavilla 1529 Artigos
Bacharel em Ciência Politica. MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing Político. Especialização em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.

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