Não tenho culpa que a política seja como ela é (PARTE II): Por Wellington Nunes

Wellington Nunes

Em nossa última conversa vimos como interpretações sem pé nem cabeça, acerca de determinado assunto, podem ser elaboradas e difundidas a serviço de uma premissa básica do jogo político: a disputa pelo poder. Partidos e candidatos elaboram políticas públicas e programas de governo para chegarem ao poder, e não o contrário. Lembram-se?

Esse raciocínio, no entanto, não é válido apenas em situações de guerra, isto é, naquelas em que a disputa por um determinado cargo está aberta – como no caso do impeachment de um presidente ou da queda de um ministro, por exemplo. Ele á aplicável também em tempos de paz, ou seja, naqueles períodos em que os políticos eleitos cumprem seus mandatos regularmente.

Ocorre que, mesmo nesses períodos de entressafra, entre uma eleição e outra, o político profissional está em permanente disputa: por espaço no plenário, por visibilidade na imprensa, por recursos diversos a serem remetidos para seus redutos eleitorais, etc. Isso porque o político tem plena consciência de que esses e outros fatores tem impacto na construção (ou desconstrução) de sua imagem e, portanto, podem interferir em suas chances de reeleição no pleito seguinte.

Ao fazer isso, se diz que o sujeito está agindo para aumentar seu capital político, isto é, tentando aumentar o estoque de recursos de toda sorte, que possam ser úteis em disputas futuras. É por isso que se diz que os políticos começam a pensar no pleito seguinte já no primeiro dia após haverem vencido uma eleição.

E nesse período de exercício de mandatos, os políticos em geral, como seria de se esperar, tendem a aproveitar toda e qualquer oportunidade para expandir seu capital político: seja efetivamente representando os interesses de seus eleitores – o que é mais trabalhoso – seja apenas fazendo com que sejam vistos e lembrados por eles – o que dá menos trabalho e também tende a ser eficiente no dia da eleição.

É justamente com essa expectativa de serem vistos e lembrados, dando certa satisfação às suas bases eleitorais, que os políticos se valem dos mais variados pretextos para obterem espaço nos meios de comunicação e, assim, aparecerem para seus eleitores.

É verdade que, em tempos de redes sociais pujantes, políticos em geral não precisam dos órgãos tradicionais de imprensa para falarem ou para serem vistos por seus eleitores – tanto que a maioria esmagadora deles faz uso ativo de diversas dessas ferramentas virtuais. Mas nenhum político sensato vai perder a oportunidade de aparecer naquele telejornal famoso, em jornais impressos de grande circulação ou nos portais de notícias mais acessados.

Voltando aos pretextos (porque na maioria das vezes não há interesse genuíno em tratar, seriamente, do assunto em questão) que podem ser utilizados como oportunidades de exposição, eles podem, como já foi dito, assumir naturezas as mais variadas: de chacinas em presídios a enredos de escola de samba.

No primeiro caso, a onda de motins que ameaça boa parte do sistema carcerário brasileiro – superlotado em função de um modelo de segurança pública punitivo, incapaz de separar usuários de droga e pequenos traficantes de assassinos, estupradores e grandes narcotraficantes – pode servir de palanque aos parlamentares, por exemplo, mesmo para aqueles vinculados à chamada bancada da bala – que, como se sabe, é grande entusiasta desse modelo de segurança pública obsoleto e da Lei de Drogas de 2006.

No segundo, um enredo de escola de samba – que homenageia os índios do Xingu e que faz referência a alguns dos fatores que ameaçam a integridade da reserva homônima, como desmatamento ilegal, uso de pesticidas e a construção da usina de Belo Monte, por exemplo – pode ser encarado, por parlamentares ligados à dita bancada ruralista, como afronta ou desrespeito ao sacrossanto agronegócio brasileiro.

A indignação, neste último caso, inclui a ameaça de se criar uma CPI para investigar a origem dos recursos que financiam escola de samba Imperatriz Leopoldinense, responsável pelo enredo.

Pergunta 1: Não haveria coisas mais importantes a serem discutidas e investigadas pelo Congresso Nacional do que as fontes de financiamento de um escola de samba? Certamente. Exemplo 1: que tal discutir as fontes de financiamento (para permanecer no mesmo tema) do sistema político brasileiro como um todo (vereadores, prefeitos, deputados, senadores, presidentes, etc.)? Exemplo 2: por que não propor e debater medidas concretas para gerar empregos, renda e melhorar a qualidade dos serviços públicos?

No entanto, como já foi dito, a natureza ou a relevância do assunto importam muito menos do que o seu potencial de exposição. Lembram-se do pretexto? É isto que o samba-enredo da Imperatriz é, nesse caso. Aqueles que armaram um circo por conta disso (muitos sem ter se dado ao trabalho de ler a letra do dito cujo) se auto proclamaram defensores do todo poderoso agronegócio. A CPI, se ela de fato for criada, será anunciada da mesma forma.

Pergunta 2: Vocês conhecem alguém que votaria em candidatos que defendem os interesses do agronegócio nacional?

  1. S.: “O real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” – Riobaldo (Guimarães Rosa).

*Wellington Nunes é mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutorando em Sociologia pela mesma instituição, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira e editor da Newsletter do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil.

Sobre Francisco Carlos Somavilla 1530 Artigos
Bacharel em Ciência Politica. MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing Político. Especialização em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta