Cientista politico Wellington Nunes comenta livro do escritor israelense Amós Oz que trata sobre “fanatismo politico”.

O livro “Mais de uma luz” (Cia das letras, 2017) reúne três ensaios do escritor israelense Amós Oz que, como indica seu subtítulo, tratam respectivamente de “fanatismo, fé e convivência no século XXI” – sendo que para os objetivos deste texto interessa apenas o primeiro desses assuntos, tratado no primeiro dos referidos ensaios, intitulado “Caro, fanático”.

O ensaio começa com uma questão intrigante: “então, como curar os fanáticos?”. Naturalmente, a questão não tem a ver, como observa Oz, com sair por aí “em perseguição a um bando de fanáticos nas montanhas do Afeganistão, nos desertos do Iraque ou nas cidades da Síria” – como poderia arquitetar a mente de um… fanático. Não. Enfrentar o fanatismo em si, segue o autor, é coisa bem distinta.

Para conter o fanatismo, Oz acredita que a coisa mais importante a ser feita é entender a sua natureza. Nesse sentido, há duas características fundamentais. Para começo de conversa, um fanático (ou uma fanática) “nunca entra em um debate”: não lhe interessa confrontar suas ideias com as de outras pessoas, discutir, argumentar. Convencido de que “algo é ruim”, o fanático entende que “seu dever é eliminar aquela abominação”.

A outra característica que integra a natureza do fanatismo é que “quanto mais difíceis e complexas se tornam as perguntas, tanto mais cresce a avidez [do fanático ou da fanática] por respostas simples, respostas com uma única sentença, respostas que apontem sem hesitação todos os culpados por todos os nossos sofrimentos”.

Entendido o fanatismo dessa forma, torna-se difícil não chegar à (triste) conclusão de que essa tem sido a tônica do “debate” político na atualidade. E o primeiro indício nesse sentido é justamente que não há debate: o enfrentamento político tem assumido ares de “uma missão”, adaptada ao gosto do freguês – “enfrentar o mau”, “eliminar o inimigo”, “moralizar a política”, seja lá o que cada uma dessas coisas signifique. Dessa perspectiva, o cenário político tem sido reduzido, por uma ótica binária, a dois polos simetricamente opostos, cujo observador apenas escolhe entre um dos lados. Isso feito, sua missão está dada: destruir o lado oposto.

O segundo indício de que o fanatismo tem dado o tom da política é que não há problema complexo que não disponha de soluções simples (e igualmente equivocadas) dos dois lados da contenda. Nesse sentido, se o tema em pauta diz respeito à pobreza e à desigualdade de renda (para ficar em exemplos de problemas contemporâneos em escala mundial), os fanáticos de direita bradam que os culpados são “os imigrantes” e “o globalismo”; fanáticos de esquerda, por sua vez, culpam “a globalização” e o “neoliberalismo”. Se a pauta muda para crescimento econômico insuficiente (outro problema global), a tônica do discurso à direita passa a ser de que o diabo está “na corrupção” ou no “esquerdismo”; já à esquerda, o inimigo estaria no “sistema financeiro” e na “desigualdade de renda”.

Não se trata, naturalmente, de negar que questões como imigração, corrupção, financeirização da economia e desigualdade de renda integrem o cardápio de problemas contemporâneos a serem enfrentados. Trata-se, isto sim, de constatar a complexidade desses problemas e de perceber que, por causa disso, é preciso reunir esforços e conhecimentos para enfrentá-los de maneira concreta. E não através de uma “guerra” contra anjos e demônios imaginários.

Wellington Nunes

Professor de ciência política, políticas públicas e gestão pública

Curitiba, Paraná, Brasil

Ensino superior

 

 

Sobre Francisco Carlos Somavilla 1530 Artigos
Bacharel em Ciência Politica. MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing Político. Especialização em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.

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